sábado, 10 de maio de 2008

Pego-me posto, de repente


pego-me posto, de repente
nesta tão antiga e velha jaula
onde esta minha alma
vive tão presa, assim

sofro encolhido nesta masmorra
minha vida fora lançada à sorte
põe-se mais perto do outono minha morte
e nenhuma fruta vermelha aportou em mim

ah, viver aqui e não viver aí
onde meu passo é raso e não, nunca
(vive) o ser que mesmo sem saber não se pergunta
se é um anjo antigo, um deus morto, um querubim

à toa chuto meu chão, meu pisar, meu fel
mas nem eu me encontro quando me procuro;
sou aquela vespa posta atrás do verde muro
que impede que eu veja um triste fim?

sábado, 3 de maio de 2008

Criação

“E Deus disse” (Gn. 1, 3. 9. 14. 20. 24. 26)

fecho à boca
a palavra:
trituro as sílabas
mastigo as consoantes
engulo as vogais
e, não podendo mais
gesto um poema
pelo útero divino:
a mesma boca

Publicado em Canoas: Tróis Editor. Cadernos Canoenses. Suplemento 201, ano 16, Setembro de 2009, p.05

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Triste fim, as grandes partidas

triste fim, as grandes partidas
corroem-me a alma, tudo em mim
as dores, lágrimas paridas
fogem-me de meu amor ruim

amo-me tanto, e os sonhos
resquícios de minha infância
sufocam-me nos escombros
de minha fiel intemperança

deixo-me nos pontos, as vírgulas
separam o que fui do que serei;
as idéias do que sou são ridículas:
idéias de ser o que só eu sei

há no tempo úmido o gesto
a forma singular do meu mundo;
transmuto-me num incesto:
não sou mais o de há um segundo