terça-feira, 29 de abril de 2008

Salmodia

“Javé o guarda e o mantém vivo para que ele seja feliz na terra” (Sl. 41,3)

medito sem parar, horas a fio
o gesto doce, mas triste e calmo
escondido no recitar do salmo
que enche de lágrimas meu rio

e o rio de lágrimas do salmista
reflete sua mais sincera dor
por não poder ter seu amor
na terra de onde tanto dista

a terra sagrada dada por Deus
é a terra donde corre leite e mel
mas na sua dor corre apenas fel
por não poder estar perto dos seus



confundem-se meu rio com o do poeta
que pôs em cada versículo a saudade
sentida tanto desde a mocidade
vivida longe de sua amada terra

e o rio de lágrimas deste triste ser
que sou, longe de meus amados
põe-me a expressar gestos fadados
quase como sem poder viver

mas, mesmo triste e magoado vivo
e encontro nos clamores do salmista
a felicidade que ainda se testifica
ao encontrar sempre Deus consigo

domingo, 27 de abril de 2008

Pensamento em verso

penso como quem não quer pensar;
em meu quarto branco, secamente
estão meus pensamentos, grávidos e reticentes
transformados em versos pra se mostrar

minhas idéias são dignas de anotar?
pergunto-me ansioso, com o receio
de que o pobre verso que me veio
vá minha escrivaninha amarrotar

que amarrote esse percurso sem nexo
desse pobre que vomita bem ao meio
da folha alva, límpida, onde semeio
como quem ejacula ao “fazer” sexo

se forem dignos de anotar, quem vai dizer?
preocupo-me em semear e semear
na virgem página desejosa por experimentar
o melhor sexo que eu sei fazer

Publicado na Antologia Cidade. Belém: 2009, Vol. II.

Todos os sentimentos


tenho todos os sentimentos do mundo
guardados aqui nesse pobre peito
e quando sob a noite deito
retomo-os todos num só segundo

sinto tudo o que é possível sentir
de dor a alegria; de saudade a amor;
o que há de mais terrível sendo o temor
de ser capaz de tanto, antes de dormir?

e antes de dormir sou o maior dos homens
e sou o mais frágil também, me creiam
os meus sentimentos são fortes, mas receiam
serem esmagados por um mistério sem nome

e esse mistério tão aterrorizador, talvez
seja eu mesmo, dentro das tantas dúvidas que me tomam
formadas com todas as dores que se assomam
dando nesse pária dum jogo de xadrez

e do jogo de xadrez sou o mais frágil
escondo-me atrás dos bispos e do rei
fugindo do medo que só eu sei
por serem capazes de me revelar tão ágil

e o mais ágil dos ágeis sou eu
quando acordo; levanto-me e ponho-me a oferecer
o melhor de mim, o que só eu sei fazer
até descobrir onde minh´alma na noite se perdeu

e se se perdeu eu logo a encontro
por dentre meus nervos e pensamentos
e lá escondidinha num pó cinzento
retomo-a e vamos ao melhor do conto

e, assim, jogo os dias que inda me restam:
nas manhãs sou forte, único e tão amável
e nas noites sou tão perdido, duvidoso e frágil:
o homem de todos os sentimentos que se versam