sábado, 29 de setembro de 2007

Março


mais um março
mais um maço
desses dias-a-dias
de dores nas juntas
e cansaço

passo
impunhando mais um passo
nas ruas das agonias
das loucuras injuriosas
e faço...

março em maço
gestando passos de cansaço:
ingenuamente passo

dias-a-dias de março em cansaço


Publicado no livro "Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos", Rio de Janeiro, CBJE, 2007, 36º Volume, p.46, ISBN: 978-85-60489-27-5

Soneto de Definição


eu sou aquele que sobre as manhãs levanta
e junta sob sua depressiva cama
o pedaço que dormiu procurando a quem o ama
encontrando-o tão frio que mesmo à morte espanta!

sou o que antes de dormir sonhou:
tudo era tão lindo, beleza, encanto...
mas de súbito se derrete em prantos
adormecido, com a morte se casou

aquele sou eu... vivo tão sem sorte
- sem saber se existe mesmo esse tal norte -
caminhando pela estrada do avesso

sou aquele peregrino do deserto
que sem saber existir um rumo certo
busca na estrada, o recomeço



Publicado no livro:
I Antologia Internacional de Poesias "Mares diversos, Mar de Versos",
Rio de Janeiro: Mar de idéias, 2007, p.53, ISBN: 978-85-61010-03-4

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Extremos

(Fujo dos extremos como o “diabo foge da cruz”)

sou puro
feito de matéria
rara
rosto celeste
cabeça de Deus
(o Ideal me sustenta)
pele de anjo

sou nulo
feito de matéria
vaga
rosto confuso
cabeça doída
(o sol me mata)
pele de bicho

sou sonho
feito de matéria
decente
rosto de gente
cabeça de homem
(como quem tem vida)
pele sadia

sábado, 15 de setembro de 2007

A capa falsa da mentira

ouvi muitas vezes:
mentira bem contada
e repetida com insistência
costuma tornar-se verdade.
Também ouvi:
ato errado
realizado sem testemunha
é legítimo:
quem poderá provar a leviandade?

os políticos mentem, creio (mais) agora
(ainda mais
se a verdade lhes custar
as tetas
de onde sugam
o leite
pago pelo suor
do cidadão honesto)

as teorias mentem, creio agora.
Tudo mente
até o ditado:
“a mentira tem pernas curtas”;
o pior de tudo
é que essa vadia
tem pernas longas
e corre muito
pondo-se escondida
sob os palanques
das próximas campanhas eleitorais
onde já não existe memória
e a “verdade” reina livre

estou convicto:
a retórica insistente
é mãe de toda mentira
descarada
(agradeço aos senadores brasileiros
a ajuda para que eu pudesse concluir isso)

a mentira tem pernas longas e corre
mas um dia haverá de cansar
e a verdade aparecerá
sobre as capas falsas
(estampadas na face dos cínicos)
que a mentira apelidou de honestidade

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Uruará

(Lembrando o aniversário desse cantinho do PARÁiso em 13/09/2007)

vou
rápido
para não deixar
rastro:

o berço
me chama

a dor
em mim
não cala

a saudade
inflama
a lembrança
da cidade
que me deu seio

e que meu peito ama

derramarei
flores
no cesto
de sua alma
onde perpetua
a voz que clama
o retorno
dos pródigos filhos
à terra que lhes ama

Publicado no Livro: Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos, Rio de Janeiro, CBJE, 2007, 40º Volume, p.34, ISBN: 978-85-60489-27-5.

Surpresa

estudo
a vida

cheirando
amor
no curso
dos dias

até esbarrar
em minha
sombra
enforcada a ódio

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Questão de Fé



gritam os sinos
ouço o desespero do badalo
a pressa dos anjos
a lentidão das horas

dispersa-se no tempo
a dúvida, teimosa agonia:
subir degraus, beijar Maria?
cuspir orações como escarro

as almas não animam a hora
nem os santos meu dia...
a reza cansa:
o eco insiste
a dúvida persiste
o santo espera
a vela morre
a chama apaga


Publicado no livro:
Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos, Rio de Janeiro, CBJE/BrLetras, 2007, 37º Volume, p.41, ISBN: 978-85-60489-27-5

Publicado também no livro: Panorama Literário Brasileiro 2007/2008: As melhores poesias de 2007. Rio de Janeiro, CBJE/BrLetras, p.147, ISBN: 978-85-7810-073-5

Piada pra Deus

subi os montes
pernas pequenas
passos miúdos
respiração amena
toquei o céu
pedi bênção a Deus
caí no mundo
jogado ao léu
perdi-me nos dias
a amar as horas
cantando salmos
nas romarias
voltei à estrada
escalei os montes
abri as nuvens
e contei piada pra Deus

Segundo

roda mundo
gira tudo
contra todos
os minutos
passageiros
do profundo:
peregrino
importuno
a entreter
a razão
num milésimo
de segundo

Prece

(lembrando a pessoalidade de Fernando Pessoa)

pus-me ajoelhado
curvado ao Sumo Bem,
- o Deus dos cristãos -
que atende os pedidos, calado
se alguém os têm

invoquei-lhe em prece:
ó Deus misericórdia
Deus-amor
Deus-compaixão
traz para perto de mim
o cálice (não o outro cálice)
pra que eu beba, e porre
sinta o fartio da solidão que me vem

Culto

submisso
ao tempo
ajoelhado
presto-lhe culto
embora resista
às Ave-Marias
oferecidas
aos dias vagos
que a razão
dispensa:
sou mais fiel
que a crença
em milagre
sem osso

Canto

canto
do mau
tempo
o pranto

grito
tão alto
quanto o eco
mais estridente
e afugentado
do canto
de minha alma:

espremido
no canto
do mundo
conto os dias

Contra toda solidão

a rosa escancarada grita!
assustada treme
geme o medo
freme
o pudor do pólen que a excita

bendita é a voz que chama
pondo-se a estontear a razão
absoluta por querer
derramar-se em paixão...
essa coisa louca, eterna trama

feliz é todo coração que ama
e que antes de amar
sabe saber...
esforçar-se por calar
a estupidez da solidão que no vago se derrama


Publicado no:
Livro de Ouro da Poesia Brasileira Contemporânea, Rio de Janeiro: CBJE/BrLetras, 2007, p.47, ISBN: 978-85-60489-27-5

sábado, 8 de setembro de 2007

Pedacinho de céu

Quanta saudade de teu riso
e da tua voz criança
chamando: “tio Bergue”!
Ah! Tê-la aqui a me fazer pequeno!
Voltar à infância me prestaria,
como sempre faço
quando contigo estou.

(Sem você) Os meus dias são tão longos,
mesmo em tão poucas horas...
É que a ânsia de estar contigo
(levá-la à pracinha de Uruará;
pô-la no mundo da fantasia;
fazê-la deslizar no escorregador de sonhos;
vê-la flutuar naquele balanço vermelho),
faz-me maior que minha paciência.

Queria estar perto de ti
meu pedacinho de céu de três anos
para ouvir a suavidade da inocência criança
fazendo-se voz pela tua boca.
A expressão máxima do mundo,
sem dor ou maldade, vejo em teus olhos,
mas sou eu que carrego
a dor da saudade que existe em mim.

Publicado no livro:
Poemas Dedicados,
CBJE, RJ, 2007

A Mor Te


A
Mor
Te
Amo
A mor te
Amo
Amo-te amor
E toma-me amor
Toma-me a morte
Amo
Amo-te
E toma
Amo-te
A mor te
Amo



Formato Original:
http://recantodasletras.uol.com.br/poesiasdeamor/208327

Publicado no livro:
I Antologia Internacional de Poesias "Mares diversos, Mar de Versos",
Rio de Janeiro: Mar de idéias, 2007, p.54, ISBN: 978-85-61010-03-4

Publicado em:
Caderno Literário nº 15, abril de 2009;
Tema "AMOR". Ed. Pragmatha, Porto Alegre - RS.

Complacência

preso e livre entre quatro portas
donde vem o vento frio angustido,
aonde vai meu espírito imbuído
pelas ruas brancas de gentes tortas

vai e caminha além-vida
tropeça nas dores de um choro rouco
dum homem mais que livre e louco
por quem a esperança mais garrida

o tempo em ser tempo... um caduco
no caminho à dor explícita do mendigo
é um espelho? mas parece comigo
sobrevivo na luta em disfarçar-me eunuco

esvai-se estúpido em relento, o ideal frio
a palavra vã do mais que louco espanto
é grito covarde, amando em acalanto...
aonde vai? Ao meu e teu olhar sombrio

Publicado nos:
Cadernos Canoenses
em Agosto de 2006 - CANOAS –RS

Anjo Antigo

eu era filho de inocência pura
como flor sensível à luz do sol que queima
mergulhei no desconhecido e tornei-me eu
em busca débil de tornar-me infinito

de grito em grito colhi flores
colhi-me em mim mesmo
embelezei o turvo do desconhecido
iluminei-me em certezas e desejos


bastei-me de ser o que não era...
minha quimera exaurida em dúvidas
anjo puro, guardião de verdades sãs

completei-me de buscas em quimeras
tais quais verdades crentes, lúcidas
em verdades cruas, elucidativas, pagãs

Publicado nos:
Cadernos Canoenses
em Agosto de 2006 - CANOAS –RS

Clamor

dá-me caminho, casa, existir
dá-me ser, compreender...
tua dureza humana
rígida

sobrevivo aqui
nula existência;
vagabundo me proclamas
vagamundo sou...
feito pobre, tão pequenininho
jogado ao mundo
sob o burburinho
dos xingões e ira de teu desprezo

ah, ter casa e não viver aí
sob os trapos de tua rejeição;
faz tanto frio
sobre a calçada:
relva de minha extinção

pedra sou
lixo em seu caminho;
nem cachorro me resta ser
(ah! ser um), vivo sozinho...
Sem desfrutar a ração que os teus cães comem

ah, ser gente, a ser nada...
homem duro, sem coração;
pisas-me os braços
e chutas-me a cabeça
mas dar-me as mãos e me levantar que é bom
não passa por tua inteligência humana negligenciada

Publicado no livro:
Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos,
CBJE, RJ, 38º Volume.

Inspiração

sentei-me sobre meu leito
e de súbito, abraçado ao violão
quedei-me a esperar as atordoadas tramas
o que chamo inspiração

não veio nem o azul, o claro, o verde
a letra, a raiva, a calmaria
não veio na nota, o susto, o horror
nem o sentimento que me abarcaria

nem a imagem veio, a beleza do rosto
a pele sensível que me abrazaria
o toque dos lábios, suave doce
da boca louca que me beijaria

o sentir eterno não veio
o gosto agridoce não apareceu
o poema, filhote caseiro
abortou-me e a poesia morreu

Menino Danado

a banhar na chuva vivia
meu corpo magro, leve, esguio
em tão eterno momento sagrado
que a meu tempo devotava o frio

menino magrinho de olhos pretos
pedaço de sonho, de querer-se assim
tiquinho de timidez, pouquinho de encanto
do que é infinito e se eterniza, enfim

menino traquino, pedaço danado
vacante no mundo do além
a machucar as mãos, cortar os dedos
a viver preso tão como ninguém

As Palavras

as palavras de tão cegas
fogem da ignorância
fugidias da lembrança
vão-se pra outras eras

donde retornam
tontas, a caberem nos ditados
nas expressões que se formam
dos sentimentos gerados

as palavras vão e voltam
como vão e voltam os seres
encontrando-se no verbo

as palavras se extraviam e morrem
mas ressuscitam, eternizando-se
na necessidade humana de comunicar

Porto Alegre - RS
22/08/2007

A Larapia

(contraponto à poesia A Pátria, de Olavo Bilac)

odeia com afinco e desgosto, a terra em que nasceste

pobre, não verás nenhum país como este!
olha que céu! que lar! que brios! e que moléstia!
a natureza aqui, perpetuamente em sesta
é um rio de lama, a escorrer dos garimpos

vê como vida havia no chão! vê que vida habitava nos ninhos
que se balançam no ar, entremeados de insetos!
vê que cruz, que pavor, que multidão de inquietos!
vê as extensões de matas, onde impera
a serra raivosa e a eterna sorte dela!

boa terra! Jamais negou a quem lhe esmigalha
o tanto de mata que some, o motor que estraçalha

quem sem pôr suor a inunda e a empobrece
vê pago seu esforço, e feliz, enriquece!

pobre! não terás pão nenhum aqui neste
grita, por grandeza, na terra onde empobreceste