domingo, 21 de outubro de 2007

Irmã Morte

(lembrando a pessoalidade de Florbela Espanca)


sinto tanto tua ausência, quem dera um dia
poder gritar mais alto que o grito forte
devolver pra ti o que é teu, a agonia
que te quebrastes a cabeça, e te fizeste morte

é a própria morte minha irmã
carrego-a comigo, e nossas responsabilidades;
é o meu destino, cada manhã
dessa vida dura de castidade

ah, que saudades de brincar contigo
é o choro de tua morte o meu amigo
a acompanhar-me em minhas jornadas

a intensidade da dor de teu umbigo
liga-te irmã morte, comigo:
havemos de caminhar almas caladas

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Éschaton

emana sete dias de meu peito;
são sete loucuras
sete ruínas
sete desgraças
sete injúrias
sete perguntas
sete horas
sete inquietações
sete silêncios
sete gemidos
sete clamores
sete arrependimentos
sete minutos
sete lembranças
sete saudades
sete suspiros
sete preces
sete perdões
sete lágrimas
sete gritos
sete segundos
sete palmos de terra...
sou defunto

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Viagem

viajamos juntos à eternidade
de nosso olhar;
perdi-me em vil serenidade:
desejo louco
de te mais que amar

teu corpo magro e alto
- mais que meu sonho -
escapava de meu desejo incauto
nos segundos sem fim
daquele tempo enfadonho

a água verde da laguna
prateada
derramava-se em agonia, sem alguma
racionalidade que nos fizesse
amar sem nada

tua resistência em não me querer
fazer companhia
fadava-me ao te ler
e eu, sem querer que nada dissesses
nada mo disse, apenas mo lia

lias-me como quem nada lia;
como quem nada amasse.
Era eu o teu pedaço róseo de agonia
derramado às areias de Laguna
à procura de respostas sem que nada mo perguntasse

em tamanho desterro, chegamos a nosso destino...
Eu, ainda, mais que proponho
deixar-me num papel, um louco menino
que no resvalar do ônibus, na estrada
descobre o fim de tudo... Era um sonho

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Expectativas

do jardim do Éden
quero as rosas
para estraçalhar-lhes as pétalas
e oferecer o sumo
aos deuses

dos deuses
quero o poder
de perpetuar-me nos inconscientes humanos
sem ser
o que a oração reza

da reza,
quero a sede dos devotos
para remover do coração
o ceticismo
que me consola

para meu consolo
quero dias
até descobrir se acabará o mundo
nas romarias
ou em igrejas esfumaçadas

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Canastra

corpos
quatro deles
perplexos
entreolham-se.
Esquecendo-se do mundo
desaparecem na cartada
e no olhar desconfiado
do mais experiente.
Já não recordam do trabalho
da vida dura
dos problemas
dos meninos
da igreja;
perdem-se nas lembranças
da infância adolescente
dos jogos cúmplices
dos roubos e dos olhares
da vitória suada
seguida de piscadas sorrateiras

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Tentações

trago na ideologia corroída pelo tempo
o desejo de saciedade da sociedade
tomada de mediocridade
e burrice

trago nos traços de velhice
a alegria - certeza do acerto -
e a frustração
mais forte que o apreço
pela verdade

trago na humana fragilidade
a ambição, desejo de ser grande:
sou tão ínfimo
que me corromper parece valer a pena....

pobre alma pequena

Soneto da dor



Publicado no Livro "Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos", Rio de Janeiro:
CBJE, 2007, 39º Volume, p.42, ISBN: 978-85-60489-27-5

oh Dor, face adiada da alegria
Hermes mensageiro da morte
caístes sempre no coração que não queria
a separação eterna, a solidão tão forte

vens tão rápida feita vulto
pondo-se a alimentar sua fome profana
presenteando, onde pisas, com o luto
alimentando-se da tristeza humana

escorregam da velhice dos rostos
tua filhas paridas, tua fertilidade
como lágrimas a reinar em toda idade

oh terrível dor, ris-se frente aos mortos;
o ser humano por tanto amar, não te ama
antes, te quer fumaça, passado, morta chama