segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Onissapiência

eu conheço a hora
do teu sono
eu conheço a orgia
do teu sonho
eu conheço a eira
do teu giro
eu conheço a beira
do teu mundo

São Carlos-SP
10/03/2008

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Além

além do espaço
estreito e arredio
encontro o rechaço
de um corpo frio

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Janela do terceiro andar




debaixo da janela do terceiro andar
esbarram-se corpos soerguidos
esvaem-se projetos, ideais e emoções
debaixo da janela do terceiro andar

lá fora, longe da janela do terceiro andar
o formigueiro humano sonha
derramam-se lágrimas de sofrimento humano
lá, longe da janela do terceiro andar

ao alto, à janela do terceiro andar
há um olhar atento e atônito
observando os passos de todos que passam
à janela do terceiro andar

filosofando da janela do terceiro andar
deparo-me soerguido
atento a todos os movimentos humanos
da janela de minha alma

Canoas-RS

sábado, 5 de setembro de 2009

Canção do Exílio de um Uruaraense


(Uruará, 22 anos, 1987-2009)

que saudade da minha terra
onde ficaram os sabiás
que saudade do meu mundo
que eu não trouxe para cá

que saudade da infância
que deixei, da minha vida
que saudade do meu Norte
minha terra tão querida

que saudade do imenso verde
que tem nas terras de lá
que saudade das tantas matas
que aqui não se pode encontrar

que saudade, que saudade
do chão cheiroso do Pará
não permita, Deus, que eu morra
sem voltar pra Uruará


Canoas - RS, 05 de Setembro de 2009

Publicado no Livro Poemas Dedicados. Rio de Janeiro: CBJE/BrLetras, 2009. http://www.camarabrasileira.com/poemasdedicados2009.htm

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Sobre a brevidade da vida


não temos domínio do tempo e da vida
não conhecemos o segundo que passa
não conhecemos a dor que transpassa
em angústia, o dia porvir de cada vida

não conhecemos a dor da hora e da vida
do homem boêmio que morre louco
em angústia, por não muito pouco
perder-se em si o gosto pela vida

passa o tempo num dia de uma vida
passa-se a hora no sentimento perdido
da dor do não, dispensado ao mendigo
da dor da morte a orientar a vida

Canoas - RS, 04 de Setembro de 2009

sábado, 29 de agosto de 2009

Sob o céu azul da Cidade Alegre


quisera eu não mais ver
o cotidiano da vida
sobre o qual reina confuso
o clamor do mendigo
a fugir dos améns da injustiça

esparramam-se ao chão as migalhas
dos pães, dos dias, da dor, do pretenso homem
sob o céu azul da Cidade Alegre
que transforma a exploração
em subversiva trama:
liberdade em lucro
lucro em fel
vida em lixo
lixo em céu

grita aos meus olhos
a dor da vida
no choro inocente da criança
a implorar o pão
da fome

Porto Alegre-RS, 12 de junho de 2007 (29/08/09)

sábado, 22 de agosto de 2009

Epitáfio

aplaudirei os versos
declamados à tumba
do poeta sem nome
do poeta sem cor
do poeta sem poesia
do poeta que não foi poeta
ao gosto daqueles que não entendem
que viver infinitamente
é não sucumbir à finitude da vida


José Heber de Souza Aguiar
São Carlos – SP em 13/02/2008

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Posmaturo

do que não mais nascia
surgiu o feto errante
esse meu verso perambulante
vomitado dum desejo que ardia

cedo ou tarde ele viria
assim que vem já se apresenta
ainda que frio logo esquenta
essa natureza poética vadia

e mesmo negando a verdade que queria
(essa coisa louca eterna trama
que em meu corpo se perde e se emana
alma em luto que os meus pecados contraia)

não poderá dominar a vontade perambulante
do caminhar solito de meu verso errante

Canoas - RS, 09/03/2009

domingo, 7 de junho de 2009

Tenho medo



tenho medo
do medo de mim
fujo do sonho
do sonho que, enfim
não nasce comigo
antes, e assim
perde-se no nada
um nada ruim

resta-me agora
do sonho de mim
fazer-se-me outro
outro, enfim
que me emane sem medo
talvez só assim
não reine confuso
o desejo ruim

que vive, aqui, preso
dentro de mim

José Heber de Souza Aguiar
São Carlos – SP em 09/03/2008

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Surreal

sonho por sonho, real por real
o amor sempre bate à porta
e bem ou mal, vai e volta
torto, morto, mas ancorado ao porto
de vermelho ou verde ou sempre mal
o amor é o bíblico pai pródigo
indeciso como a arte de Van Gogh
surreal

Canoas - RS, 24/04/2009

sábado, 25 de abril de 2009

Se

se ser é ter
não sou

Belém – PA
Abril de 2004

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Eterna lida

tenho a alma
assentada
calma
nesse meu pobre peito

tenho um grande feito
assombrado
ensimesmado
nessa, sem volta, ida

tenho a lida
calejada
amargurada
por um pesadelo em meu sono

tenho um sonho:
ter na alma
a calma
enquanto nessa eterna lida...
chamada vida

São Carlos - SP
05/05/2008

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Khothbiro

a morte passa, e às vidas sem destino se entrelaça e mata
desfaz-se em ódio frente à inocentes almas, almas frágeis
corpos inocentes, gentes crentes no amanhã melhor que não conhecem

e o sangue escorre da pele negra e banhada em pólvora queimada
a alma escapa ao que resta de humano daquele destroçado corpo
a voz desesperada clama em canto, o socorro que não é ouvido
corre sem rumo o desejo de viver, corre sem sentido e sem direção
a guerra mata o sonho humano de vida, a guerra mata qualquer sonho
a guerra destrói a direção ao destruir o sentido do caminho

a guerra é impotente porque a destruição não pode destruir

sexta-feira, 27 de março de 2009

O Homem

o homem, esse covarde homem
bastardo da desordem e do descontentamento
filho das glórias do tormento
realidade que me tanto consome

pôs-se sobre minha alma, o ser
o bravio corpo que não conhece a razão
aquele homem-bicho sem noção
que usa da desonestidade pra viver

eu, como homem de coisas ralas
da sensibilidade de todo o ser
que não sou acostumado a viver
com a ignorância dessas toscas falas

pus-me homem sensível a observar
o que a dureza daquele pobre coração
tinha como grande e verdadeira razão
ao querer tanto me fazer calar

a desgraça da alma é a dor do homem
que mesmo dócil animal, se ferido
põe-se a esbravejar peito aguerrido
frente ao desespero e dor que lhe consome



eis que aquele duro humano de papel
não mais era que uma doce ferida
o gole bravo da tão forte bebida
que deixa-o sem razão, se imbuído em fel

todo grande homem é um pequeno ser
o engenho frágil de um Deus tão forte
que permite à sua criação conhecer a morte
sem que encontre a razão de viver

somos fadados a viver, e sofrer é o que resta
àqueles que não conhecem o clarão
e dispensam o doce hino em canção
que esvai-se da alma por uma fresta

grande e bendito seja todo o homem
que põe-se alma sempre amena
a fazer grande coisas tão pequenas
maiores que o medo da morte que lhe consome

segunda-feira, 23 de março de 2009

Frustração


http://www.camarabrasileira.com/pca09-014.htm
Publicado na Antologia "Poesia de Corpo & Alma", Rio de Janeiro: CBJE/BrLetras, 2009. ISBN: 978-85-7810-496-2

na solidão de teu seio
a razão do teu insulto:
“afaste-se diabo, tonto, feio
besta morta, alma tosca, vulto”

na ilusão de teu sonho
o teu amor astuto:
“abraça-me amante, lambe-me o seio
anjo tenro, amor eterno onde exulto”

na comunhão com teu receio
(ao que lhe digo) o ódio mútuo:
“abranda-me a alma, partida ao meio
por seu pobre amor sem fruto”


São Carlos – SP
03/04/2008

terça-feira, 17 de março de 2009

Até que a Morte os Separe

(até que a morte do amor os separe)


no altar a jura eterna
a sempiterna jura de um amor

somente a morte é o que os poderá separar

a promessa é feita à alma
da mulher e do homem
a marca há de não se desfazer
ainda que acabe o amor

a jura não promete a companhia eterna
promete a eterna companhia do amor
e só

se amor não mais há
corpos não mais se atrairão
e tristeza é só o que se poderá ver

sofre o corpo preso a outro corpo
esses que desfeitos um do outro
permitem o vôo livre do amor saído da jaula do domador
que se também livre está e ponto:
a jura não se mais fará até que a morte do corpo se faça
mas até que o amor dito eterno se desfaça