quinta-feira, 1 de agosto de 2024

O que não se espera diante da espera

afastou-se de seu mundo, de perto dos seus
para viver o sonho que o invasor lhe propagara
entregar todos os seus ideais e sua alma
a uma obra humana que diziam ser de Deus

e lá fora aquele tão forte sonhador
que tanto queria ir à terra de além-mar
fazer-se mais homem e aprender a ensinar;
a ser o melhor empenhou-se como num labor

a promessa fez-se ato e pôs-se o jovem a caminho
estudou, rezou, trabalhou, chorou e fez-se grande
para ser o melhor por onde quer que um dia ande
mesmo que sua solidão o massacre quando sozinho

a vida é irônica e num dia desses que a gente nunca esquece
seu diretor o chamou e perguntou-lhe o que ainda queria
nessa vida, pois nela já não mais o aceitaria
e seria melhor que de seus sonhos se desfizesse

desiste, então, ao sonho o meigo moço
o rapaz que há tanto se crera irmão
dos pobres e nobres filhos da solidão
os perdidos sem luz no fundo tácito do poço

a palavra do mestre confirma-lhe a dispensa
a voz imperiosa lhe ordena a saída
“não mais cabes aqui nesta tão reta vida
falta-te a dignidade cristã, a nossa crença

vai-te, pois, aos teus, onde não se pensa
pois o mito é quem governa-lhes na calma
é na cegueira que mora a tua alma
hás de morrer nessa ingenuidade imensa”

quem tem honra nem sua indignação é permitido mostrar
mesmo que coloquem em cheque sua consciência visível:
no jogo do poder reina a trama inaudível
que mata o sonho sem que permitam-no se expressar

Ao amigo Armando João Monteiro, de Moçambique
Janeiro de 2015